segunda-feira, outubro 13, 2003

DEZ MIL E OITENTA MINUTOS

parte dois - SEGUNDA

Hoje não choveu.
Durante 32 minutos. Os quais aproveitei no computador, achando
que o barulho de carros e de comida fritando no fogão era de
chuva caindo. Quando dei por mim lá estava ela de novo. Lavei os
germes de mim hoje. Foram embora gritando, me amaldiçoando por
não lhes dar uma chance. Estavam falando algo sobre "criar"
quando desceram rodopiando numa enxurrada de sabonete, seus
irmãos mortos, cabelo e pele. E sujeira, claro.

As coisas parecem tão importantes quando têm sobre si uma faixa
preta correndo em cima e embaixo. E

estão cortadas

em

pequenas

partes

luminosas.

Mas a propaganda é enganosa mesmo. Então hoje eu tinha duas
missões. Contatar o time avançado Número Ruim e acertar com eles
a transferência da fita secreta com alguns segredos do Grande
Raposa. Então me preparei, fiz as invocações necessárias, arcanas
e disse a senha. Preferia não ter esse trabalho toda vez mas enfim,
é mais seguro. Esse canal não pode ser aberto por qualquer um.
Antes perguntei aos Números Ruins - que se revezavam possuindo
a cabeça-avatar com a qual eu converso - como tinha sido o jogo de
bocha do sua equipe Rosnado no Planalto Chuvoso. Uma merda,
responderam. Haviam perdido por dábliu-ó; e o juiz nem aí. Há
uma chance de quererem a fita secreta do Raposa, mas só as partes
boas e que continuem frescas daqui a uns dias - quando o martelo
sobre essa negociação vai ser batido. Preferia que aproveitassem
tudo, minha sensação de dever cumprido é maior para o Grande Raposa
e pra quem absorver seus ensinamentos. Se é que estarão interessados.

A segunda missão tinha duas partes: refazer o contato com os
Mineradores Fibrosos, Finlândio e Lizardomen pra poder usar de novo
suas cavernas - no bom sentido. Mas isso não pôde ser feito porque
minha garota - que mora perto da mina - estava com germes nas vias
nasais. Então um meio desvio foi feito e parti para a segunda parte
da segunda missão. Uma etapa dela consistia em levá-la até as minas,
o que obviamente não foi feito. Ao invés disso compramos a janta
dela num supermercado de anões. A caixa não pareceu notar que as notas
eram papel colorido de um jogo de tabuleiro. Demos risada e choramos
ao ouvir pedaços de uma nova história na caixa Overackt - pra qual
estava especialmente sem paciência-ui. É bom ter paciência-ui se
não se quer enlouquecer aos poucos. Certas horas tenho pena da minha
garota, mas não é culpa dela; sério. A gente se diverte muito junto
e ela às vezes tem de aturar o fato de "minha alma não ser só minha,
mas dividida com um cara estranho". Ótimo, consegui me segurar até
aqui antes de soltar uma referência Pop. Um dia de cada vez, meu
amigo.

Nota mental: comprar um boá pra enrolar no pescoço, repelir
vampiros negativos e atrair vampiras positivas.

Então peguei com minha garota os detalhes em papel do Plano C, porque
o B foi pro saco triste triste, coitado. Ainda há chances de ele
ser reutilizado, era um bom plano. Mas o Plano C parece mais viável.
Vai envolver um tanto de corrupção e um tanto de contaminação em
massa. Diversão a valer. Deixei minha garota aos seus germes, coitada,
mas tinha de ir. E pus o pé na estrada, tomando cuidado pra não
pisar nas poças. Porque estava chovendo de novo.

Não agüentei muito tempo o ruído das pessoas na rua de espera falando
sobre sua miséria de forma tão alegre que tudo parecia tão doce e
impossível. Andei para fugir, o que só atrasou minha volta pois perdi
uma carroça provavelmente. Quando subi em uma lá do fundo uma menina
de sandália plástica transparente me olhou com tanto espanto e
dúvida que me senti um viciado em cachimbogame portátil. Seus dedos
dos pés eram gordinhos pro lado. A despedida da mulher que desceu
comigo me arranhou a orelha. Era uma andróide de bingo, tenho
certeza que sim.

Vejo uma geração de garotas extremamente bem preparadas pra se
tornarem futuras diretoras de arte neuróticas, com modificadores
químicos demais alvejando neurônios atrás de neurônios e storyboards
inteiros quando se olham no espelho.

Cheguei na tumba pra saber que minha mãe havia sido ameaçada por
um macaco-jaco bem aqui perto; queria saber o que ela levava, tal
qual um lobo na esquina da floresta. Um passante a salvou. O macaco-
jaco bem podia ser um cachimbogameiro. Desgraçado. Vou plantar
pimenta pra andar com um punhado no bolso e esfregá-lo nos olhos e
gengiva do desgraçado assim que o vir. Ou meter-lhe uma metralhadora
no cu, o que fosse mais divertido.

Na minha caixa Overakt famílias especialmente coloridas por equipes
de pés descalços disparam novas conexões na velocidade do pensamento.
Me faz um bem danado. Ao contrário da minha coluna arqueada que
impede meus nervos de levar comandos de digitação.

É pro nosso bem.

(c) 2003 Hector Lima