quinta-feira, novembro 04, 2004

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- sexta e sábado tem shows no Tim Fest, mas não tô muito aí. devo ver um e outro mas tanto faz se não fizesse. não sinto antecipação pra ver os shows, nenhuma ansiedade de quando a hora em que o ídolo-do-rock-que-nunca-veio-ao-brasil pisar no palco. eu podia muito bem não ir e ficar no meu marasminho local aqui e não me sentiria mal. ia falar sobre gozar com o pau dos outros, trabalhar pra mim versus trabalhar pros outros, mas só ia me repetir. só consigo pensar nas minhas coisas que não chegam; tá muito perto de algumas começarem a contecer e algumas pequenas coisas já não dependem mais de mim. estranha essa fase, eu não me interesso muito em consumir o que outros produziram, meus pensamentos, vontades e energias todos voltados pro que eu produzir. fazer HQ e ter uma mínima vontade de fazer disso ao menos parte da vida profissional é bem frustrante, mesmo quando uma ótima parceria é feita, porque invariavelmente nada acontece. e quando tá pra acontecer parece com aquela pegadinha em que uma nota de dinheiro é colocada na ponta de um anzol: você vai pegar e foge. tem de ser paciente mais e mais uma vez. e se preparar [tecnica e instintivamente] com o momento certo de pisar em cima da nota e tirar ela do anzol. isso se não for falsa. ok, essa metáfora foi uma merda. sempre vai haver variáveis que fogem ao controle - bom, a vida é assim e tem de deixar correr solto [mas com aquele único olho aberto vigilante] quando a coisa chega nesse ponto. mas é gozado isso de eu não ter vontade de consumir, principalmente música. não queeu não ouça pelo menos 1 ou 2 bandas novas por semana, mas é como não ter alma não me incomodar quando isso não acontece. deve ser a mesma coisa que a puta sente quando o namorado quer transar e ela não pode mais ver outro pinto naquele dia. tem horas em que mesmo a novidade [junto com as velharias] enchem o saco e vem a urgência de fechar a válvula, desconectar o cabo pra se desligar do fluxo. meu lado católico careta me diz que é tudo uma questão de ir dormir cedo ao menos uma vez na vida pra começar odia menos desorganizado, pra fazer uma tentativa de acabar uma coisa antes de se começar outra. talvz tudo isso não passe do ponto de mutação, da convergência da massa crítica em uma singularidade que faz ondas de egoísmo transbordarem de mim. por muito tempo dei prioridade às coisas alheias e não folgo em dizer que ajudei algumas pessoas, algumas por puro amor, outras por amizade e algumas por compaixão. mas não é de hoje que sinto não poder deixar passar essa que é minha hora. porque ela não volta, ao menos não nessa existência/encarnação/passagem. minha recente fase da volta de Saturno [típica a todos que chegam ao fim dos 20 e marcada pelo reencontro com várias pessoas do passado e uma certa nostalgia da infância,que em mim não bateu tão forte] foi um anúncio do que tô vivendo hoje. e o fato de estar passando um clipe do Ride - seguido por outro do Chapterhouse - na MTV neste exato momento é marca cabal disso. e essa é a única referência pop que este texto vai ter. há o lado negativo dessa fase egoísta, nenhum arquétipo vem sem as outras possíveis ressonâncias. cabe a mim fazer a sintonia fina e não deixar o momento ser disperso - e desperdiçado - com a não-interação com outras pessoas [e seus gamedramas pessoais] porque cada momento é O momento, cada fase é A fase e não tem uma fase em que você deixa de interagir com todos, por mais que às vezes eu precise virar um hermitão. e nem tem a ver com a vida solitária do digitador/escritor [por mais que eu não queira admitir ainda acho meio pomposo falar como se eu fosse "escritor", apesar de achar hipócrita quem fala não o ser só porque seu terceiro livro ainda não foi publicado ou coisa que o valha]. falando em dispersão... por um lado anseio pelo fim dessa fase em que eu às vezes não tolero estar perto de pessoa algum porque elas me cansam muito rápido. mas tirando a época em que fui balconista de livraria e tinha de profissionalmente interagir com um leque amplo de pessoas indesejáveis, eu tenho visto até muita gente. ou talvez novos círculos de amizades, e nem por força da festa, mas sim dessa porra louca que a internet pode ser quando não se deixa levar pelo desgaste diário dela. mas tô muito fresco e irritado e toda interrupção me cai como um paralelepípedo na cabeça. viajar seria uma boa, pra passar mais tempo em contato com pessoas totalmente desconhecidas e outros totalmente sozinho. a solidão e a invisibilidade involuntárias podem ser muito tristes, mas há períodos da vida em que são absolutamente necessárias. esse deve ser o momento do hermitão que estou perdendo. vou sair dele e devolta pra aldeia melhor e mais realizado, ou mais frustrado de não o ter aproveitado. vai saber. depende de mim. e de todo o resto, também às vezes. dosar piloto automático com direção nóia. e tentar chegar do outro lado em um pedaço só.