segunda-feira, abril 05, 2004

GRITANDO NO ESCURO

alguma coisa fez *click* na minha cabeça quando ouvi [e vi] SMELLS LIKE TEEN SPIRIT pela primeira vez. absorvi aquela energia que vibrava com urgência, quis levantar e fazer alguma coisa. na verdade levantei e fiz. e sou grato a Kurt Cobain e Cia por cometer uma das faixas mais importantes da trilha sonora da minha adolescência. como todo mundo que precisa dessas coisas, eu tinha ali algo falando pra mim. não muito a letra exatamente, a levada da música como um todo. tava na hora de levantar e os primeiros acordes foram meu alarme um pouco antes da hora do almoço num dia de 1991.

hoje faz 10 anos que o Kurt Cobain se matou; é estranho escrever isso como foi estranho saber da notícia, quando eu via uma palestra do Maestro Julio Medaglia na pirâmide da Escola Panamericana de Arte e o Rogério de Campos [hoje um dos donos da Conrad] comentou algo sobre "fazer que nem o cara lá e dar um tiro na cabeça". corri pra casa do meu pai pra ver o Gastão aparecer em drops tétricos no meio da programação com a foto abaixo de fundo, ao melhor estilo dos tenebrosos "o plantão da Globo informa" que me faziam cagar nas calças quando moleque [porque apareciam de repente com o olho, uma musiquinha e uma voz do além, davam susto e só traziam notícia ruim como incêndios]. o que pouca gente lembra é que o Nirvana acabou dias antes de acharem o corpo dele com a cabeça estourada por uma espingarda - e alguma outra notícia eclipsou esta. e foi isso.

na seqüência reprisou até cansar o último show gravado pela MTV gringa, com a banda muito bem em comparação com as zoeiras que foram os shows no Brasil. que eu perdi no Hollywood Rock por besteira, achando que voltariam ano seguinte e sinceramente pra mim alguma coisa mudou. não pelo "fim do movimento grunge" que isso nunca existiu. mas a prometida nova onda de revolta adolescente na música - coincidente com explosões solares a cada 11 anos - se apareceu em 2002 ou foi dispersa demais em várias pequenas bandas, nenhuma com a mesma intensidade esporrenta do NEVERMIND.

ou foi contida pela produtização das bandas-release, que mesmo autênticas são muito mal vendidas, passando a impresão de música de linha de montagem [talvez a maior encanação do Kurt, que ajudou a acelerar sua nóia - misturada à companhia da vaca louca Courtney Love (o quanto da loucura dessa alpinista social da música, perdida em si mesma, já não teria acabado se ele ainda estivesse vivo?) e o vício da heroína]. de qualquer forma, talvez o Nirvana tenha sido o último grande fenômeno mundial do Rock no Pop. ou da Música em geral mesmo. dez anos depois, a monstruosa indústria fonográfica agoniza e afunda como um mamute correndo em gelo fino pra fugir da Era do Gelo, seu peso gigantesco de máquina enferrujada puxando pra baixo, incapaz de parar de se debater e adotar os novos métodos de ação considerados por ela [e seus primos] ilegais.

vai ver as explosões solares coincidiram sim em 2002 com a era de Horus e um novo tipo de revolta adolescente que queima o velho pra que o novo surja. mas o Espetáculo não tava calibrado direito pra mostrar os pequenos Cobains que cantam na garagem, na sala de ensaio ou no quarto, transmitido-se pela internet pra tanta gente que não os vai ouvir. até que um dia, com a bênção inspiradora do deus-loiro magricela e coitadinho de Seattle, mais um deles surja [provavelmente até odiando Nirvana pelo carga envelhecida de Legião Urbana-Black Sabath-Raul Seixas-Sex Pistols-Cássia Eller que carrega].

Kurt hoje é um espírito-guia de microfonia, uma reverberação de guitarra distorcida no éter, explodindo mil vezes e em todas as direções dentro da cabeça de muitos moleques gritando sozinhos no escuro, desesperados pra viver mas ao mesmo tempo se idiando e querendo morrer.