domingo, fevereiro 02, 2003

De Renato Russo a Santos Dumont

[por Vange Leonel]

Renato Russo, Cássia Eller e Cazuza foram raros exemplos de artistas que assumiram, em vida e publicamente, sua homossexualidade. Ney Matogrosso, João Silvério Trevisan, Aguinaldo Silva, o jogador de vôlei Lilico, Leão Lobo, Edson Cordeiro e esta humilde escriba são pessoas com alguma visibilidade na mídia que não escondem sua preferência pelo mesmo sexo.

Há cada vez mais gente assumindo sua homossexualidade para o público, e embora alguns achem tratar-se apenas de sem- vergonhice e exibicionismo, não é: dizemos em alto e bom som que somos gays porque não queremos viver à sombra. Se há homossexuais que não querem fazer alarde de sua condição, há outros, como os citados acima, que não vêem (ou não viram) razão para ocultar suas preferências.

Afinal, heterossexuais podem sair à rua de mãos dadas com seus pares e chegam a festas apresentando-os como "meu namorado" ou "minha mulher". Ora, por que teríamos que fazer diferente? Só porque gostamos de pessoas do mesmo sexo deveríamos varrer nossos namorados para baixo do tapete?

Não é fácil. Conseguimos maior visibilidade e conquistamos alguma proteção da lei, mas o senso comum ainda acha que, mesmo tendo o direito de existir e respirar, é melhor que fiquemos em nossos cantos, de preferência sob a sombra e abrigados pelo véu da noite, quando os gatos são pardos e as crianças dormem.

Isso me lembra uma declaração que li, meses atrás, de um sujeito empenhado em criar um roteiro turístico sobre Santos Dumont. Imaginando-se paladino do patrimônio nacional, ele disse que, inicialmente, precisaria "limpar" a imagem do aviador e desabafou: "Só no Brasil acontece isso! A coisa mais absurda é ferir a imagem de uma figura de extrema importância mundial com o fato de ele ser ou não homossexual".

Fiquei pasma. Absurdo é achar que a possibilidade de Santos Dumont ter sido homossexual possa ferir sua imagem. Depois, sujeitos assim ainda vêm dizer que não são preconceituosos e até têm amigos gays -bem trancados no armário, claro!